quarta-feira, 7 de julho de 2010

A crise na Inglaterra - aos olhos de um brasileiro ( post encomendado pela editora-chefe)


Queridos,

Quando no Brasil, eu assistia de vez em quando a TV Senado. Com raras exceções, as sessões do Congresso costumavam ser chatas, chatas, chatas (excetuando as aparições de figuras como Clodovil, Collor, e Maluf ).



Por sua vez, as sessões do Parlamento Inglês parecem pra mim, cada vez mais, a antípoda do que poderia ser monótono. Acabei de fazer um esforço tremendo pra  desligar a TV - estava assistindo o canal 503 (BBC Parliament), onde havia um debate muito interessante e divertido entre  Harriet Harman (atual lider do Labour Party) e David Cameron (o Primeiro-ministro). Simplesmente maravilhoso! Além de recordarem os 5 anos dos atentados de 7/07 em Londres, começaram a discutir os pontos dos cortes de despesas dos Conservatives  (uma hora eu retorno nessa questão da irreverência e profundidade dos debates).














A pedido da minha Editora-chefe, quero apresentar a vocês um pouco dos cortes do governo, para que assim vcs possam analisar como é diferente uma crise no Primeiro Mundo. Vou relatar apenas três tópicos.
(um bom resumo dos principais pontos do Budget 2010 pode ser visto os no site da BBC: http://news.bbc.co.uk/1/hi/politics/10374475.stm  - caso necessário, utilize a tradução do google -  é muito boa.)

1) Housing Benefit (HB)


     Um dos elementos que me faz tender a falar de vez em quando que a Inglaterra (pelo menos a do período 2000-2007) foi algo muito próximo do que Marx sonhou como sendo uma sociedade menos injusta.
     O Housing Benefit é uma garantia governamental a todos os europeus que não possuem condição financeira de arcar com o aluguel e manter uma vida digna (do tipo nadar na piscina pública, comprar uma Nutella de vez em quando, tomar um Pint no Pub no fim de semana, coisas do tipo) . Só pra vc ter uma noção do negócio, em nos nossos primeiros meses em Grays nós tivemos nosso aluguel 95% pago pela Rainha. 

    Contudo, agora a Inglaterra  em crise. O governo decidiu estabelecer um novo limite para oHB. Agora, o teto máximo é de 400 libras POR SEMANA. (isso mesmo, não é erro de digitação). Tenta imaginar  qual era o limite antes da crise...

2) Child Tax Credit:

     Esse Benefit é uma benção em nossas vidas. A escolinha da Luiza custa 165 libras por semana (segunda a sexta, das 9h às 17h). Contudo, o Gov deposita em nossa conta 85% desse valor.
    Contudo, agoraa Inglaterra está em crise: vai haver redução no Tax Credit, MAS APENAS PARA AS FAMÍLIAS QUE RECEBEM MAIS DE 40.000 LIBRAS POR ANO. Para os que ganham menos - nosso caso, por enquanto - o limite semanal de contribuição do governo para childcare vai aumentar para 150 libras.Sim, é um governo de direita. Acreditem.) 

3. Child Benefit.
     Toda criança européia nascida na Inglaterra, independente da renda familiar recebe, ao nascer, uma caderneta de poupança com 250 libras (e aos 7, se a família é de baixa renda, recebe outros 250 de depósito automático na poupança). Além disso, os pais de baixa renda recebem semanalmente uma ajuda de custos de 20 libras mensais pelo primeiro filho (e 12 libras por filho adicional). 
    Esse valor costumava ser reajustado anualmente mas, como estamos em crise, vai ser congelado por 3 anos.

E por aí vai - paro por aqui para não causar mais desconfortos.


Gostaria apenas de lembrar duas coisas: 
1. O atual Gabinete é  um governo que possui basicamente um caráter conservador, e que pediu milhares de desculpas por criarem tal política de cortes.
(achei inclusive muito legal isso de eles se desculparem pelo tough budget. Não me recordo uma vez sequer ter visto algo parecido com isso no Brasil  - do tipo um governador declarar " pedimos desculpa aos nossos contribuintes, mas tais medidas são deveras necessárias". São nessas pequenas sombras que lembramos como o autoritarismo é peça marcante de nosso ethos político (e só lembrando, o autoritarismo não nasceu com 1964: A proclamação da República foi um golpe deMilitar, a Independência foi imposta de cima pra baixo, o 1500 foi uma imposição política).

2. Por aqui, discute-se muito a amplitude dos benefícios, mas de modo geral não se fala em encerrá-los: os mais conservadores apenas defendem (e eu concordo) que se deveria cobrar mais enfaticamente daqueles que recebem benefício (e que possuem condições para isso) que se esforçassem com mais afinco  para atingir condições econômicas de necessitarem menos da ajuda governamental. 
    Enquanto isso, recordo-me muito bem das coisas que se ouvia às ruas na  época da criação do Bolsa Família. Sinceramente, o conservador mais radical inglês ficaria com vergonha se ouvisse os discursos  dos brasileiros "esclarecidos" que advogavam contra tal ajuda -  qualquer pessoa sensata percebe ser o mínimo do mínimo do mínimo do mínimo (claro que se pode criticar a forma e a aplicação do mesmo, mas isso não é um problema do Bolsa Família, e sim de probidade administrativa).
Um abraço a todos!



(George Osbourne, o Dilmo, digo, o Pai do Budget inglês. Tinha muito medo dele, mas hoje vejo que a onça não é tão perigosa)