segunda-feira, 19 de abril de 2010

Vulcão, Caos Aéreo e a ressurreição do Bug do Milênio

Talvez seja coisa de Historiador: dramas à parte, sempre tive um insano desejo de presenciar algum momento ou evento historicamente marcante de fato. Confesso que, bom FFLCHiano, tive sentimentos passíveis de culpa com o 11 de Setembro; sempre me encantei por tufões, furações e tempestades, assim como vivenciei uma ansiedade estranha com a dizimação que a Gripe H1N1 prometia; agora, vejo-me envolto a presenciar um fenômeno incrivelmente assombroso com a interrupção temporária de vôos aqui no Norte Europeu, assemelhando-se com algo como a concretização dos piores pesadelos que alguns tiveram à época (lembra?) do Bug do Milênio.

Primeiro, vamos aos fatos.

I
Surpreendentemente, o céu aqui na Inglaterra anda lindo.
Lindo, e silencioso.

Moro há cerca de dez milhas do Heathrow, o aeroporto de maior tráfego internacional de passageiros do mundo. Devido ao evento islandês, o Gigante encontra-se fechado, tal qual todos os outros aeroportos ingleses.

O mais assombroso é acompanhar o drama daqueles que, impossibilitados de utilizar a via aérea conforme planejado, buscam mecanismos alternativos.
Acompanhei hoje pelo rádio o relato de um grupo de 12 ingleses que alugaram um micro ônibus para conseguir ir de Veneza a Paris, enfrentando a seguir uma espera de 36 horas para comprarem tíquetes do Eurostar (o Trem de alta velocidade que interliga Londres-Paris via Eurotúnel). Cada indivíduo desembolsou 450 Euros para voltar pra casa.

Mais dramático era o caso de uma mulher cujo marido encontra-se em Israel, sem dinheiro para retornar para casa por qualquer mecanismo alternativo viável.


II
Há algumas semanas atrás, fiz com Luiza e Pérola (respectivamente filha e esposa) um bate-e-volta Londres-Veneza-Londres. Pagamos menos de cinco libras em cada passagem aérea (incluídas as taxas), e saímos daqui no sábado pela manhã para voltar no domingo à tarde, pois trabalharíamos na segunda-feira a partir das oito (e nem tínhamos como - $$$ - ficar mais do que isso).
Estava a me perguntar: Que alternativa teríamos, se acaso o Eyjafjalla houvesse soprado suas cinzas enquanto lá estivéssemos? Provavelmente procuraríamos uma Igreja (ou outra instituição qualquer) e pediríamos abrigo (e algumas roupas emprestadas, pois havíamos levado apenas uma mochila para os trës), e eu seria obrigado a arrumar algum trabalho (vulgo "bico") por lá (e teríamos potencialmente perdido o nosso emprego por aqui, ainda mais considerando que somos imigrantes recém-chegados - 18 meses - e que trabalhamos para uma agência).
Decerto estão muitos agora em situação similar.


III

Algumas rapidinhas.

1. Como eu disse: dramas à parte, sempre tive um grande desejo por viver momentos historicamente marcantes. E o que pode ser mais marcante do que esse súbito retorno (ainda que limitado no tempo e espaço) a um momento em que o movimento de pessoas encontra-se desprovido do espaço aéreo? limitado por elementos inexistentes, ainda que tecnologicamente viáveis? (vale dizer, movimento não só de pessoas. Hoje eu pude presenciar no Tâmisa algumas balsas com uma quantidade de containers muito acima do que eu costumo presenciar diariamente.

2. Encontrei ontem uma amiga que trabalha no SAC da TAM no Heathrow (que como vocês sabem, está fechado). Estava revoltadíssima porque, segundo suas palavras, todos os SAC´s das outras empresas estavam praticamente vazios - mas o da TAM estava lotadaço, com a brasileirada a reclamar indenização, alternativas, ou alguma outra espécie de jeitinho. É lugar-comum aqui entre os brasileiros o fato de termos mania de reclamar. Será?

3. As empresas aéreas inglesas que fazem vôos locais estão, tais quais as demais ligadas à Europa, amargando perdas sem-fim. Destoando da curva de perdas nos vôos locais encontra-se a Virgin, do genial empresário Richard Branson. O segredo: a Virgin Airlines faz parte do Conglomerado Virgin Group, que engloba também a Virgin Trains. Um colunista do Jornal The Guardian comentava hoje na Rádio LBC (London Biggest Conversations) que Branson está aproveitando a crise para expandir sua malha de ação e tentar oferecer serviços também no resto da Europa. Tentarei coletar informações a respeito, e comentarei em um post posterior.

4. Estou com a impressão de que o ar aqui está um pouco mais sujo. Palavras da Pérola (que é mais sensível para essas coisas devido às suas rinites, sinusites e outras ites): lembra São Paulo em dias poluídos.

Mas deve ser mera impressão;)

5. Deixo aqui algumas perguntinhas aos palpiteiros de plantão:
i. seríamos (para alegria de nós poucos e tristeza de muitos) uma geração destinada a inevitavelmente passarmos por um processo de ajuste infra-superestrutural? Afinal, nos últimos 20 anos tivemos em pauta pelo menos 3 eventos de caos iminente (o Bug do Milênio, a Gripe H1N1 e a Crise Economica - sem falar no sempre-presente Aquecimento Global ), ou estaríamos momentaneamente reféns de determinadas estruturas organizacionais (como a Telefonia, o Tráfego Aéreo, o Capital Especulativo e a Bioética)?
ii. Quais as chances de descobrirmos os efeitos de fato dessas cinzas apenas daqui a meses ou anos?
iii. As reservas dos sistemas públicos de saúde europeus mal se recuperaram dos custos da Gripe; sem querer ser alarmista, mas... será que dá confiar na índole das Agências reguladoras?
iv. Hegel, ao discutir Estética e discutir o conceito de Belo, justificou totalmente esse meu encanto pelas tragédias como o Katrina, os Tsunamis e afins. Será que isso me justifica, ou ando com muita maldade no coração? :-)
iv. À luz do caos aéreo brasileiro: acaso seria melhor guardar a lembrança de quando voar era uma opção viável?

Um abraço a todos!

14 comentários:

Edinaldo Leivas disse...

Gostei da sua escrita. Estou escrevendo uma poesia a respeito, e esse tema vai me inspirar.

André disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
André disse...

Olá Edinaldo, obrigado pela visita.
Não se esqueça de me enviar a poesia quando estiver pronta.
Abraço!

Sérgio de Moraes Paulo disse...

Cabra, quanta profundidade para falar do céu?...rs...

O companheiro Milton Santos dizia nos seus últimos anos de vida que as grandes mudanças viriam da escassez. Estamos confortavelmente acomodados na vida de classe média ditada pelo amrican way of life.

Mas há momentos em que faltam condições para esse caminho seguido por conveniência ou ditado por ambição.

Faltam vôos, espaço nos trens e ônibus. Por aqui, em Sampa, falta cada vez mais o tempo.

Quando ficamos 30 horas numa estação de trem ou numa rodoviária, somos obrigados a olhar ao lado. O desconhecido ao lado deixa de ser uma ameaça para se tornar uma importante companhia no momento do infortúnio. Problemas que afetam a todos tendem a fazer brotar o que há de mais bonito na humanidade: o sentimento solidário.

Lendo o que você escreveu e pensando durante esse comentário eu me lembrei do "Ensaio sobre a cegueira". Quando tudo deixa de ser cômodo e previsível o ser humano é obrigado a se deparar com sua condição animal. Nesse momento há o risco de rejeitarmos essa condição e valorizarmos o que alguns chamariam de humanidade.

Sei lá, talvez o Milton Santos e o Saramago devam ser reconhecidos por isso: viram essa verdade sem a necessidade de uma erupção vulcânica ou de uma chatice de aeroporto...

Abraço.

Nota: excelente, simplesmente.

Paula disse...

Andre,adorei. Excelente.

Lendo seu post me lembrei de uma frase:

"A natureza reservou para si tanta liberdade que não a podemos nunca penetrar completamente com o nosso saber e a nossa ciência." (Goethe)

Vivemos num mundo tecnológico, repleto de compromissos e conveniências que quando a natureza fala voltamos a mais pura realidade. Somos apenas humanos em toda sua miséria com tanto conhecimento e poder.

André disse...

Titio Moraes,
Andei pensando bastante sobre isso essa semana (mas minha Matriz não foi o Milton e nem o Saramago, mas o Buñuel - Vc assistiu ao "O Anjo Exterminador"? Tenho quase certeza que ambos ou se inspiraram nessa idéia, ou (o que é mais provável) beberam da mesma fonte inspiradora.

Abração, e valeu pelo apoio!

André disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
André disse...

Paula Paula,
Pois é, parece que a Cegueira é a temática subliminar que o texto levantou.
Interessante você falar do Goethe. Lembrei que ele (e Wittgenstein no século posterior) fez um estudo consideravelmente maluco e revolucionário sobre as Cores. Sua conclusão é triste (afirmar a tristeza em Goethe é mera redundância): apenas os artistas iluminados possuem capacidade para enxergar de fato e imediato as cores - e Wittgenstein adiante generaliza ao escrever sobre a incapacidade humana de compreender as mais simples realidades senão através de levar a sério a Arte do Processo Reflexivo...
Tenho a impressão que eles tinham razão. É como diria João Cabral: de vez em quando talvez seja até melhor não enxergar nossa disability. Mas só de vez em quando.
Um abração!!!!

Barbara disse...

Ola, bem vindo ao mundo dos escrevedores de blogs!

E sobre o vulcao, eh aquela historia: nossa sociedade foi se tornando tao complexa que qualquer problema em uma area, por menor que seja, desencadeia o caos. Nos nao temos mecanismos de redundancia, estamos operando no limite (ou alem dele).

No fim de semana pegamos um taxi e o motorista estava desesperado porque sem o voos, ele nao tem trabalho. E assim vai o efeito cascata, afetando todo mundo. Eh assim que nosso mundo funciona agora :)

Unknown disse...

Aí eu ouvi esses dias: vc viu o caos aéreo na Inglaterra? Pois é, a Europa agora está isolada.
E no meio dos debates, eu me perguntei o que tenho a ver com isso? Por enquanto nada. Ano que vem espero que esteja tudo em ordem, quero passar minha lua de mel no velho mundo.

André disse...

Oi Bárbara, valeu pelas boas-vindas... vamos ver se o blog vinga :-)

Pois é, parece que o horror acabou...
no final, foi como aquela neve de Londres em 2008, lembra? Parou a cidade, mas alguns dias depois a normalidade se refez... e os mecanismos de redundância, se foram pensados, foram de novo redundantemente esquecidos.
Abração!!!

André disse...

Titio Alexandre,
Que bom que já passou e os outros vulcões continuaram a dormir; assim, sua pergunta pode continuar sem resposta.
Abração!!!

Lucilene disse...

Olá André,

Gostei muito de ler seus artigos e sugiro um blog muito interessante que se chama "Café Filosofico" (http://cafesfilosoficos.wordpress.com/tag ) com alguns cientistas do mais alto nivel, inclusive o Prof. Renato Janine.
Lú (CNPq/Brasília)

André disse...

Olá Lu! Que honra você por aqui!
O Cafés Filosóficos é de fato um excelente apanhado de material - uma bela iniciativa de três graduandos em filosofia. E admiro muito a coragem deles de disponibilizarem tanto material, sem se preocupar com a questão dos direitos autorais.

E continuamos a te esperar por aqui, para mais um café juntos - aquela tarde foi memorável!
Abração pra você!