segunda-feira, 10 de maio de 2010

A política de alianças no Parlamento Inglês - Aprendendo com o Brasil

A camarada  Camila bem lembrou  nos comentários do último post : os elementos distintivos da política brasileira e européia são deveras interessantes. Lembrava ela da transparência* da política inglesa quando comparada à tupiniqum. E tais elementos, corroborando seus comentários, fazem toda a diferença.

(*Essa clareza de opiniões é também bastante perceptível na linha editorial dos jornais - por isso ser absolutamente comum por aqui encontrar alguém a comprar mais de um jornal para ler em sua jornada para o trabalho. Sinceramente, não me recordo de tal fenômeno no Brasil tão raramente:-).

Pois bem: veio daí, juntamente com o pedido da minha Editora-Chefe (menos editora e mais chefe) a inspiração para tecer alguns comentários sobre a política de alianças por aqui.

Parte A:  OS FATOS:


1. Brasil

Eleições presidenciais de 2002. Vence um partido historicamente de esquerda, contrariando os interesses da  Veja grande mídia (alguns devem lembrar da charge acima  - ou de outras que possuíam o mesmo teor Vejista, tentando relacionar Lula ao perigo comunista).
Sem maioria parlamentar em um primeiro momento, inicia-se a política de alianças, emblematizada pela distribuição de gabinetes para o corrente período de governo, além de garantia de concessões nas pautas que serão discutidas e votadas em breve.
Surge uma forte aliande entre PMDB e PT - algo totalmente impensável há meros 10 anos atrás. (e o PMDB hoje em dia possui em seu emblema a cor vermelha, em clara alusão a sua pretensa aliança)

 Todos estranham, mas não há nenhum grande manifesto popular, ainda que o haja nas bases internas do PT, ocorrendo - não apenas por essa razão - o surgimento do PSOL, e uma maior visibilidade da cisão (já desenhada e demonstrada há algum tempo) entre as alas mais e menos radicais do partido, além de uma maior pulverização partidária regional (esse fenômeno da pulverização regional da política partidária, na minha opinião, mereceria um estudo mais detalhado - vou encomendar ao meu amigo palpiteiro tal feito).

2. INGLATERRA
Como algum de vocês estão acompanhando, estamos em época de eleições para o Parlamento Inglês. E, pela terceira vez na história recente da Inglaterra (ultimos 500 anos - afinal, estamos falando em Inglaterra) temos um "Hung Parliament" (traduzindo: nenhum partido obteve maioria absoluta - condição sine qua non no Parlamentarismo Clássico, tendo em vista ser o partido majoritário quem indica o Primeiro-Ministro).


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Celebração do VE Day (VE = victory in Europe), em memória ao fim da II Guerra Mundial. Tradicionalmente, apenas o Primeiro-Ministro ocupa tal espaço nessa tribuna... Perceba o semblante glúteo de Gordon Brown (direita) ao lado de Cameron (Conservative, ao Centro) e Clegg.
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Os Trabalhistas, até então no poder, ficaram em segundo, e Gordon Brown quebra a etiqueta, não colocando seu cargo à disposicao da Rainha (ou, no mínimo, do Partido). Os Conservadores, vencedores com 36% das cadeiras parlamentares, autoproclamam-se detentores do direito de governar, tendo em vista haver recebido a maioria dos votos  - como já ressaltado no post anterior, os meninos não possuem compromisso com a verdade absoluta - se é que existe V.A. na política.


Enfim: nenhum partido obtém maioria. Para nós brasileiros, é óbvio qual o próximo passo: iniciar a política de alianças, pois todos sabemos que é o único mecanismo para garantir a governabilidade (pelo menos foi assim que aprendemos).


Mas, para os ingleses, nada é assim tão óbvio.

O primeiro grande problema é que, como já dito, os ingleses só viveram o fenômeno de possuir um "Hung Parliament" 2 vezes (sendo que na primeira, em 1885, ainda se tratava do parlamento britânico, o que incluía o ora complicado Irish Party). E assim, eles não estão acostumados com essa coisa de fazer alianças políticas (ontem pela manhã eu assistia na BBC uma entrevista da Editora-Chefe do Independent, um dos mais importantes jornais ingleses, e ela dizia exatamente isso, com uma face deveras perplexa: "a gente não sabe como lidar com isso, não estamos acostumados".)

E, se existe uma coisa que o inglês não sabe lidar, é com a improvisação, elemento este para nós tão natural (estaria eu enganado se dissesse que, de modo geral, nos é mais fácil improvisar do que seguir protocolos?)

Pois bem: Conservadores (os Tories) e Trabalhistas tentam, a todo e qualquer custo, uma aliança com os Liberais-Democratas para formarem um governo de coalisão, garantindo assim maioria no parlamento.

Os conservadores estavam, até ontem, bastante próximos de conseguirem tal acordo. Até que... o inesperado acontece: uma manifestação popular.




Juro pra você que eu chorei ao ver o vídeo acima - e principalmente ao perceber que não era simplesmente uma organização qualquer a protestar organizadamente, mas uma mistura de organizações não-partidárias e indivíduos de expressão semi-anárquica (tolos dos que relacionam anarquismo a baderna ou desorganização), um levante de pessoas que haviam votado em uma proposta política específica, e que não queria agora serem apenas, usando o jargão político inglês,  "meat" - mero enchimento para um pacote de propostas que, de modo geral, eles não concordavam.

Conheço muitos PMDBistas históricos. Vi alguns balbuciarem contra a aliança com o PT, mas nada além de gemidos rotos.
Muitos de meus amigos que votaram no PT demonstraram-se chateados com as alianças estranhas e seu jogo de poder - mas não me recordo de nenhum deles se manifestando pedindo seu voto de volta (perdoe-me se tal frase não fizer sentido por aí - aqui na Inglaterra, ao menos daqui por diante, parece que faz).

Mas o erro deve ser dos ingleses. Espertos somos nós brazucas, que vivemos agora tantas experiências sobre as quais podemos bradar com todo fôlego: "nunca antes na história desse país". Bobinhos, ainda não entenderam que a tônica da política moderna é viver novas experiências. As alianças parecem espúrias, mas a experiência demonstrará que é nada mais são do que as sombras do inferno moderno. Daqui a pouco, estaremos a ouvir também  por aqui o (aí) tão batido refrão "nunca antes na história...". Quando eles crescerem, talvez se tornem como nós - que há 150 anos atrás já havíamos criado nosso próprio modelo de parlamentarismo - às avessas.

Como bem lembrou a Camila nos comentários do último post : existem alguns elementos que diferenciam a política brasileira da européia. E tais elementos, corroborando seus comentários, fazem toda a diferença.

Abração a todos!
André
 P.S.: A próxima imagem é em memória daquela revista que tanto afirmou, há oito anos atrás, que o governo atual faria uma política anti-americana.
 (e não perca de vista a presença do Lincoln, do Amorim e da Dilma)




4 comentários:

Unknown disse...

Excelente André, e muito me orgulha ser citada num texto tão interessante! Pois é, talvez o jeito tupiniquim de se fazer política (desde sempre) esteja fazendo escola por aí - pelo menos é isso que os conservadores adorariam que acontecesse. Se tem uma coisa que nossos políticos sabem fazer é aliança. Hoje me deparei com uma notícia do Collor se lançando como pré-candidato ao governo de Alagoas e declarando seu apoio a canditadura da Dilma. Pode? Pelo que me parece... aqui pode!!! beijos nas meninas

André disse...

Olá Camila! Nada mais justo do que dar nome às fontes :-)

No ano passado eu tive um bate-papo muito interessante com o Tio Alceu, e ele falou muito sobre um modelo diplomático português, cujas heranças podiam ser muito bem vistas no Itamaraty... Talvez essa capacidade conciliatória que temos na política externa se reflita (ou se refrata) endogenamente também.

O mais complicado talvez (principalmente para nós, bombardeados anos e anos pela linguagens e ideologias discentes dos Centros Acadêmicos) seja olhar isentamente para esse modelo político surgido no Brasil a partir de 2002, e vê-lo como, talvez, paradigmático. Afinal, deu certo ou deu errado? Não sou gabaritado a sequer tentar responder, infelizmente. Eis mais um assundo para meu amigo Palpiteiro (opalpiteiro.blogspot.com)

Abração!!! (e seus beijos serão transmitidos amanhã durante o breakfast:-)

Unknown disse...

Parece que os conservadores conseguiram o que queriam né??

André disse...

Pois é Camila... Em termos, sim. Na verdade, imagino que eles acabaram por conceder aos Liberais-Democratas muito mais do que precisavam.
Na minha limitada visão (de alguém que acabou de chegar), creio que estamos no melhor dos mundos do ponto-de-vista político. Afinal, creio que a alternância de poder seja deveras salutar, ainda que redunde em perdas sociais de curto prazo.
A despeito da posição política da aliança Con-Dem (e os jornais de esqueda adoram fazer o trocadilho dizendo que vivemos em uma Con-Dem Nation), vivemos aqui um clima de mudanças políticas que seria impossível se acaso houvesse dado Labours nas eleições - principalmente porque com o Gordon não existia o personalismo FHCeano ou Lulista, mas algo muito mais Itamarista, conforme pretendo comentar no meu próximo post.

Além disso, o peso Lib-Dem (que na questão dos costumes são muito mais interessantes do que os Labours) acaba por frear um pouco (I hope) a
ânsia dos Radicais de ressuscitar algumas das crenças político-econômicas da Dama de Ferro dos anos 80...