quinta-feira, 19 de abril de 2012

Calvinismo, Luteranismo, Petismo: ideologias revisitadas


Esse post nasceu por sugestão de minha amiga Gislene Appel (http://www.facebook.com/permalink.php?story_fbid=116810275091916&id=1043157391&cmntid=116892878416989&notif_t=comment_mention) que me convidou (na qualidade de, em suas palavras, "especialista em calvinismo") a discutir a reportagem ""Pastor" comete adultério e se justifica com a bíblia"
 (http://www.youtube.com/watch?v=v359a4T7i-w).



Ótima sugestão: não me lembrava que eu já havia sido especialista em alguma coisa... fruto do meu processo de emburrecimento que vem cavalgando a passos largos.

Em primeiro lugar, devo admitir: gostei da criatividade do pastor.

Mas meu foco será a interessante passagem bíblica por ele utilizada: o profeta Oséias escolhido por Deus para se casar com uma mulher que continuaria, após o matrimônio, sua vida sexual de multiparceiros. E ele, Oséias,  não deveria abandonar a mulher, tendo em vista que:
i.  ela um dia se transformaria;
ii. ele também se transformaria nesse processo.

(Uma super lição de misericórdia para judeus e futuros cristãos, islâmicos,  ateus, e fãs de Falcão e Alípio Martins)

Problemas subententidos:

A maioria (se não todos) os sistemas de convivência ditos "perfeitos" (Javismo primitivo, Cristianismo primitivo, Budismo primitivo, o Islã em sua essência fundamental, Calvinismo primitivo,  Luteranismo  primitivo, Socialismo primitivo, o Petismo primitivo) crivavam-se na organicidade das regras do cotidiano baseadas no  amor e/ou misericórdia pelo universo como se é (incluindo Sociedade e Indivíduo, com suas falhas inerentes).

E amar o universo implicaria no (vigilante) apoio mútuo para o desenvoltimento do potencial de cada um. Tratando de Luteranismo e Calvinismo especificamente: ambos concebem, de forma elitista (ainda que includente) indivíduos que empregarão seu ócio e náo-ócio no desenvolvimento intelectual máximo. Tem-se aí a grande revolução cultural luterana: o homem seria obrigado a aprender a ler e a escrever a fim de melhor conhecer a vontade do Senhor revelada nas Escrituras. O calvinismo, seguia a mesma tônica: o homem deveria buscar desenvolver o máximo de seu potencial como ser social - essência que se manteve no modelo politico e social suíço e holandês até hoje).

Assim, os artesões de sistemas que enxergaram, por assim dizer, um mecanismo perfeito para convivência harmônica, a não ser pelo fato de que tal prática de auto-remodelagem não parece aplicável no curto prazo. Os próprios criadores não conseguiram ultrapassar seus instintos fundamentais como indivíduos: Paulo, ultra-machista; Mohamed genial, mas deveras manipulativo; Calvino - pobre moço - consciente da força de sua teologia sistemática, negou a si próprio 20 anos depois pra defender a sua obra. Interessante considerar o quão não-luterano tornou-se Lutero alguns anos pós-Wittenberg, ou o quão não-petista os Petistas se tornaram.

Roupagem nova no mesmo mortal coil. Ao final, a máxima maquiaveliana prevalece sobre a verdade.

E eis o que provavelmente a sabedoria judaica ensina com a passagem de Oséias: alguns elementos da essência humana são deveras mais fortes do que as verdades absolutas - o que inclui o ímpeto sexual incontrolável, a ganância, e assim por diante.

A saída? A adoção de um sistema que encare as falhas humanas como parte da beleza da humanidade, concomitantemente a uma incessante busca em acertar na próxima vez: eis a essência do judaísmo babilônico (o judaísmo pré-babilônico é bárbaro demais para nossos conceitos pós-helênicos), do cristianismo primitivo. É o fundamento do próprio conceito de igreja: um espaço de buscas individuais no qual se diluem as fraquezas individuais para, no longo prazo, atingir-se a estatura do Super Homem de Nietzche.

E o mesmo conceito pode ser encontrado,  teleologicamente, no conceito de Estado de figuras deveras distintas como Hobbes, Hegel, Marx, Foucault, ou no PT pré-Collor.

Importantes esclarecimentos:

1. devido à  (corretíssima) leitura weberiana do calvinismo como espaço de desenvolvimento da prosperidade no âmbito individual, pode-se cair no erro de ler os movimentos pentecostais e neopentecostais como herdeiros das Institutas. Erro crasso cada vez mais comum. Tais igrejas (assim como algumas igrejas Batistas brasileiras) possuem organizacionalmente o poder ultracentralizado na figura do Pastor. O Calvinismo das Institutas (ou seja, pré-1550) foca sua organicidade na  "assembleia dos santos", mediada por um Conselho salvaguardaria seus caros princípios teológicos e buscaria constantemente apurar as regras de convivência. Pastor e assembléis, nesse modelo teriam o importante poder de eventual dissolução do Conselho - eis a semente do  Parlamentarismo.

2. a essência do Calvinismo não está no conceito de Predestinação, mas no conceito de Soberania.

Meu blog de política e idéias:  http://impressoeseuropeias.blogspot.com/
Meu blog sobre música: http://thinkasound.blogspot.com/




sexta-feira, 27 de maio de 2011

A Polêmica dos Livros Didáticos*

(obviamente, essa é apenas uma visão da história. Totalmente passional, e eu nem sei se concordo comigo mesmo :-)

Engraçado... tenho a impressão de que os indivíduos que estão criticando o progressismo proposto pelo livro* são os mesmos que criticam o modelo de vestibular decoreba que adotamos.

Ademais, uma proposta séria de educação visaria a levantar questões, e não a passar uma receita pronta pro aluno. E, nesse sentido, a proposta desses livros é extraordinária: dá a brecha pra discussão ser levantada em classe - o que faz bem mais sentido do que fazer de conta que tais questões sequer existam - ou, se de fato não existem, deveriam existir, acho.


Acho bonita essa súbita crença no Verbo, na Palavra Que Transforma, quase que misticamente, fazendo o aluno adotar ou não a norma culta a partir de então, sob o efeito daquelas páginas (e façamos de conta que aluno lê o livro didático, e que a mediação do professor não seja muito mais preponderante do que o conteúdo do livro).

Acho graça também nesse súbito legalismo: há um grito agora por um approach dogmático, de conteúdos herméticos e indiscutíveis. Imagino que esses que criticam os "absurdos do(s) livro(s)" cairiam pra trás com a proposta inglesa de ensino de História, por exemplo, no qual o aluno estuda uns 80% menos de temas factuais do que estudamos no Brasil... mas isso pouco importa, visto que a idéia é ensinar o aluno a buscar diferentes fontes e perceber que não há uma versão absoluta para os fatos.

Talvez a questão maior é que não confiamos na competência dos nossos professores como mediadores. Aí, preferimos e queremos que o livro didático seja o mais completamente dentro da norma possível. Aí pelo menos poderemos dormir mais tranqüilos, pois temos mais claramente o culpado - seja o professor que não aproveitou o maravilhoso material que lhe estava à disposição, seja o aluno que se absteve de imergir no saber ali exposto.

Por sinal: lembro que me divertia muito com o idealismo dos professores da Faculdade de Educação; tornei-me professor clássico de cursinho, no Objetivo (que era a negação de tudo o que se discutia na FE-USP); hoje, morando na Inglaterra fico assombrosamente grato pelo modelo na qual minha filha está imergindo ... e triste por saber que, mesmo assim, ainda falta muito pra ser ideal; e que esse estágio que aqui existe é virtualmente impossível de ser atingido por nós sociedade brasileira nos termos em que temos hoje quanto a projeto político e mentalidade da população.

(*para os que não sabem do que se trata: http://www.cartacapital.com.br/carta-na-escola/falsa-questao)

quarta-feira, 7 de julho de 2010

A crise na Inglaterra - aos olhos de um brasileiro ( post encomendado pela editora-chefe)


Queridos,

Quando no Brasil, eu assistia de vez em quando a TV Senado. Com raras exceções, as sessões do Congresso costumavam ser chatas, chatas, chatas (excetuando as aparições de figuras como Clodovil, Collor, e Maluf ).



Por sua vez, as sessões do Parlamento Inglês parecem pra mim, cada vez mais, a antípoda do que poderia ser monótono. Acabei de fazer um esforço tremendo pra  desligar a TV - estava assistindo o canal 503 (BBC Parliament), onde havia um debate muito interessante e divertido entre  Harriet Harman (atual lider do Labour Party) e David Cameron (o Primeiro-ministro). Simplesmente maravilhoso! Além de recordarem os 5 anos dos atentados de 7/07 em Londres, começaram a discutir os pontos dos cortes de despesas dos Conservatives  (uma hora eu retorno nessa questão da irreverência e profundidade dos debates).














A pedido da minha Editora-chefe, quero apresentar a vocês um pouco dos cortes do governo, para que assim vcs possam analisar como é diferente uma crise no Primeiro Mundo. Vou relatar apenas três tópicos.
(um bom resumo dos principais pontos do Budget 2010 pode ser visto os no site da BBC: http://news.bbc.co.uk/1/hi/politics/10374475.stm  - caso necessário, utilize a tradução do google -  é muito boa.)

1) Housing Benefit (HB)


     Um dos elementos que me faz tender a falar de vez em quando que a Inglaterra (pelo menos a do período 2000-2007) foi algo muito próximo do que Marx sonhou como sendo uma sociedade menos injusta.
     O Housing Benefit é uma garantia governamental a todos os europeus que não possuem condição financeira de arcar com o aluguel e manter uma vida digna (do tipo nadar na piscina pública, comprar uma Nutella de vez em quando, tomar um Pint no Pub no fim de semana, coisas do tipo) . Só pra vc ter uma noção do negócio, em nos nossos primeiros meses em Grays nós tivemos nosso aluguel 95% pago pela Rainha. 

    Contudo, agora a Inglaterra  em crise. O governo decidiu estabelecer um novo limite para oHB. Agora, o teto máximo é de 400 libras POR SEMANA. (isso mesmo, não é erro de digitação). Tenta imaginar  qual era o limite antes da crise...

2) Child Tax Credit:

     Esse Benefit é uma benção em nossas vidas. A escolinha da Luiza custa 165 libras por semana (segunda a sexta, das 9h às 17h). Contudo, o Gov deposita em nossa conta 85% desse valor.
    Contudo, agoraa Inglaterra está em crise: vai haver redução no Tax Credit, MAS APENAS PARA AS FAMÍLIAS QUE RECEBEM MAIS DE 40.000 LIBRAS POR ANO. Para os que ganham menos - nosso caso, por enquanto - o limite semanal de contribuição do governo para childcare vai aumentar para 150 libras.Sim, é um governo de direita. Acreditem.) 

3. Child Benefit.
     Toda criança européia nascida na Inglaterra, independente da renda familiar recebe, ao nascer, uma caderneta de poupança com 250 libras (e aos 7, se a família é de baixa renda, recebe outros 250 de depósito automático na poupança). Além disso, os pais de baixa renda recebem semanalmente uma ajuda de custos de 20 libras mensais pelo primeiro filho (e 12 libras por filho adicional). 
    Esse valor costumava ser reajustado anualmente mas, como estamos em crise, vai ser congelado por 3 anos.

E por aí vai - paro por aqui para não causar mais desconfortos.


Gostaria apenas de lembrar duas coisas: 
1. O atual Gabinete é  um governo que possui basicamente um caráter conservador, e que pediu milhares de desculpas por criarem tal política de cortes.
(achei inclusive muito legal isso de eles se desculparem pelo tough budget. Não me recordo uma vez sequer ter visto algo parecido com isso no Brasil  - do tipo um governador declarar " pedimos desculpa aos nossos contribuintes, mas tais medidas são deveras necessárias". São nessas pequenas sombras que lembramos como o autoritarismo é peça marcante de nosso ethos político (e só lembrando, o autoritarismo não nasceu com 1964: A proclamação da República foi um golpe deMilitar, a Independência foi imposta de cima pra baixo, o 1500 foi uma imposição política).

2. Por aqui, discute-se muito a amplitude dos benefícios, mas de modo geral não se fala em encerrá-los: os mais conservadores apenas defendem (e eu concordo) que se deveria cobrar mais enfaticamente daqueles que recebem benefício (e que possuem condições para isso) que se esforçassem com mais afinco  para atingir condições econômicas de necessitarem menos da ajuda governamental. 
    Enquanto isso, recordo-me muito bem das coisas que se ouvia às ruas na  época da criação do Bolsa Família. Sinceramente, o conservador mais radical inglês ficaria com vergonha se ouvisse os discursos  dos brasileiros "esclarecidos" que advogavam contra tal ajuda -  qualquer pessoa sensata percebe ser o mínimo do mínimo do mínimo do mínimo (claro que se pode criticar a forma e a aplicação do mesmo, mas isso não é um problema do Bolsa Família, e sim de probidade administrativa).
Um abraço a todos!



(George Osbourne, o Dilmo, digo, o Pai do Budget inglês. Tinha muito medo dele, mas hoje vejo que a onça não é tão perigosa)

sábado, 19 de junho de 2010

Cazuza, Jô, cigarro e ideologia

Estou assistindo a uma entrevista do Cazuza para o Jô (ainda no SBT) em 1988. Inusitados: cazuza conversando, acende um cigarro (eu nem lembrava mais que isso era permitido há pouco tempo) e, admirador do socialismo, fala de seu encanto pelo PT - pela honestidade e até inocência de muitos de seus líderes, e principalmente pelo fato de o Partido não coligar-se a outros por fidelidade aos seus valores.
Saudades do tempo em que os partidos ainda possuiam ideologia.

terça-feira, 15 de junho de 2010

Copa do Mundo sem Galvão: as vantagens de se ter uma BBC

Amo futebol, mas amo muitas outras coisas! Mesmo com muita vontade de acompanhar a copa de ponta a ponta, seria torturante pra mim assistir 3 partidas - 300 minutos - por dia (nessa primeira fase). Entretanto, a bbc resolveu o problema pra mim:

Estou nesse momento a assistir italia e Paraguai em casa. O jogo é transmitido pela BBC. Muitas diferenças tornam a experiência deveras distintas da que eu tinha até então.
Uma das coisas mais interessantes da TV na Inglaterra é a interatividade. As principais redes (bbc, ITV, 4 e Channel 5) disponibilizam conteúdos que podem ser acessados através de botøes que os controles remotos aqui possuem (mesmo as tv's antigas - a nossa é uma de tubo - ainda nao entramos pro universo da High Definition). Nessa programação paralela se pode acessar a qualquer momento, p.ex., um boletim com as principais notícias do dia, a previsão do tempo (mão na roda pra Pérola, viciada que é em um forecast), comentários de Política, Cultura etc.
No caso da Copa do mundo, meu grande problema está definitivamente resolvido: dá pra acessar diariamente os melhores momentos de qualquer um dos 3 ultimos jogos! E o melhor é que não se trata de mero resuminho de 2 minutos - de modo geral possuem cerca de 10-12 minutos*, o que garante um mínimo de informação com relação aos jogos.
(*obviamente alguns jogos sao tao monótonos que o editor tem que fazer milagre pra encontrar 4 minutos de bons momentos).
E não pára por aí: assistindo ao jogo, pode-se escolher 3 opçøes de áudio: narração, comentaristas, ou o som ambiente.
(aí eu lembrei que, quando do jogo da Inglaterra, ''cala boca, Galvão'' foi a frase mais postada mundialmente no Twitter)... Se houvesse no Brasil essa opcão, provavelmente o Galvão já estaria desempregado há algum tempo :-)

terça-feira, 18 de maio de 2010

E o Dio morreu.

Estou de Luto.
Aqueles que me conhecem um pouco mais sabem que possuo muito poucos pudores com relação à vida ou à Dona Morte. Sempre me gabei pelo fato de a ceifa desta digníssima senhora não conseguir me atingir ou abater, nem mesmo através de eu imaginar ou supor a morte das pessoas mais íntimas ou de familiares mais queridos (obviamente isso não é uma virtude, e sim um desvio psicossocial). 
Contudo, talvez algo tenha mudado e eu não tenha percebido (ainda).
Primeiro, a morte do Wander Taffo, fantástico guitarrista (ex Rádio Taxi e co-organizador do FICO - Festival Interno do Objetivo) há uns dois anos atrás me deixa meio down; agora, essa perda traz à tona o mesmo sentimento. 

Talvez seja algo relacionado à música - afinal nesse ínterim eu perdi outras pessoas muito próximas (nem vou comentar aqui o quão próximas para não escandalizar alguns) e nem foi assim tão deprex pra mim. 

Ou talvez seja como meu amigo Daniel comentou: as boas referências estão partindo, e não temos certeza de termos uma boa safra presente ou futura, e isso é de fato preocupante. 
Preocupação essa que me abate também quanto ao futuro Serra-ou-Dilma do Brasil. Comentei sobre isso lá no espaço do Palpiteiro

E falarei mais (possivelmente) no próximo post.

(Para os que viajaram, estou me referindo à morte de Ronnie James Dio, a maior voz do Heavy Metal de todos os tempos - obviamente, afirmarei a mesma coisa quando Bruce Dickinson ou Sebastian Bach forem também bater palma com o capeta).
Olha o homem aí. Feio?

segunda-feira, 10 de maio de 2010

A política de alianças no Parlamento Inglês - Aprendendo com o Brasil

A camarada  Camila bem lembrou  nos comentários do último post : os elementos distintivos da política brasileira e européia são deveras interessantes. Lembrava ela da transparência* da política inglesa quando comparada à tupiniqum. E tais elementos, corroborando seus comentários, fazem toda a diferença.

(*Essa clareza de opiniões é também bastante perceptível na linha editorial dos jornais - por isso ser absolutamente comum por aqui encontrar alguém a comprar mais de um jornal para ler em sua jornada para o trabalho. Sinceramente, não me recordo de tal fenômeno no Brasil tão raramente:-).

Pois bem: veio daí, juntamente com o pedido da minha Editora-Chefe (menos editora e mais chefe) a inspiração para tecer alguns comentários sobre a política de alianças por aqui.

Parte A:  OS FATOS:


1. Brasil

Eleições presidenciais de 2002. Vence um partido historicamente de esquerda, contrariando os interesses da  Veja grande mídia (alguns devem lembrar da charge acima  - ou de outras que possuíam o mesmo teor Vejista, tentando relacionar Lula ao perigo comunista).
Sem maioria parlamentar em um primeiro momento, inicia-se a política de alianças, emblematizada pela distribuição de gabinetes para o corrente período de governo, além de garantia de concessões nas pautas que serão discutidas e votadas em breve.
Surge uma forte aliande entre PMDB e PT - algo totalmente impensável há meros 10 anos atrás. (e o PMDB hoje em dia possui em seu emblema a cor vermelha, em clara alusão a sua pretensa aliança)

 Todos estranham, mas não há nenhum grande manifesto popular, ainda que o haja nas bases internas do PT, ocorrendo - não apenas por essa razão - o surgimento do PSOL, e uma maior visibilidade da cisão (já desenhada e demonstrada há algum tempo) entre as alas mais e menos radicais do partido, além de uma maior pulverização partidária regional (esse fenômeno da pulverização regional da política partidária, na minha opinião, mereceria um estudo mais detalhado - vou encomendar ao meu amigo palpiteiro tal feito).

2. INGLATERRA
Como algum de vocês estão acompanhando, estamos em época de eleições para o Parlamento Inglês. E, pela terceira vez na história recente da Inglaterra (ultimos 500 anos - afinal, estamos falando em Inglaterra) temos um "Hung Parliament" (traduzindo: nenhum partido obteve maioria absoluta - condição sine qua non no Parlamentarismo Clássico, tendo em vista ser o partido majoritário quem indica o Primeiro-Ministro).


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Celebração do VE Day (VE = victory in Europe), em memória ao fim da II Guerra Mundial. Tradicionalmente, apenas o Primeiro-Ministro ocupa tal espaço nessa tribuna... Perceba o semblante glúteo de Gordon Brown (direita) ao lado de Cameron (Conservative, ao Centro) e Clegg.
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Os Trabalhistas, até então no poder, ficaram em segundo, e Gordon Brown quebra a etiqueta, não colocando seu cargo à disposicao da Rainha (ou, no mínimo, do Partido). Os Conservadores, vencedores com 36% das cadeiras parlamentares, autoproclamam-se detentores do direito de governar, tendo em vista haver recebido a maioria dos votos  - como já ressaltado no post anterior, os meninos não possuem compromisso com a verdade absoluta - se é que existe V.A. na política.


Enfim: nenhum partido obtém maioria. Para nós brasileiros, é óbvio qual o próximo passo: iniciar a política de alianças, pois todos sabemos que é o único mecanismo para garantir a governabilidade (pelo menos foi assim que aprendemos).


Mas, para os ingleses, nada é assim tão óbvio.

O primeiro grande problema é que, como já dito, os ingleses só viveram o fenômeno de possuir um "Hung Parliament" 2 vezes (sendo que na primeira, em 1885, ainda se tratava do parlamento britânico, o que incluía o ora complicado Irish Party). E assim, eles não estão acostumados com essa coisa de fazer alianças políticas (ontem pela manhã eu assistia na BBC uma entrevista da Editora-Chefe do Independent, um dos mais importantes jornais ingleses, e ela dizia exatamente isso, com uma face deveras perplexa: "a gente não sabe como lidar com isso, não estamos acostumados".)

E, se existe uma coisa que o inglês não sabe lidar, é com a improvisação, elemento este para nós tão natural (estaria eu enganado se dissesse que, de modo geral, nos é mais fácil improvisar do que seguir protocolos?)

Pois bem: Conservadores (os Tories) e Trabalhistas tentam, a todo e qualquer custo, uma aliança com os Liberais-Democratas para formarem um governo de coalisão, garantindo assim maioria no parlamento.

Os conservadores estavam, até ontem, bastante próximos de conseguirem tal acordo. Até que... o inesperado acontece: uma manifestação popular.




Juro pra você que eu chorei ao ver o vídeo acima - e principalmente ao perceber que não era simplesmente uma organização qualquer a protestar organizadamente, mas uma mistura de organizações não-partidárias e indivíduos de expressão semi-anárquica (tolos dos que relacionam anarquismo a baderna ou desorganização), um levante de pessoas que haviam votado em uma proposta política específica, e que não queria agora serem apenas, usando o jargão político inglês,  "meat" - mero enchimento para um pacote de propostas que, de modo geral, eles não concordavam.

Conheço muitos PMDBistas históricos. Vi alguns balbuciarem contra a aliança com o PT, mas nada além de gemidos rotos.
Muitos de meus amigos que votaram no PT demonstraram-se chateados com as alianças estranhas e seu jogo de poder - mas não me recordo de nenhum deles se manifestando pedindo seu voto de volta (perdoe-me se tal frase não fizer sentido por aí - aqui na Inglaterra, ao menos daqui por diante, parece que faz).

Mas o erro deve ser dos ingleses. Espertos somos nós brazucas, que vivemos agora tantas experiências sobre as quais podemos bradar com todo fôlego: "nunca antes na história desse país". Bobinhos, ainda não entenderam que a tônica da política moderna é viver novas experiências. As alianças parecem espúrias, mas a experiência demonstrará que é nada mais são do que as sombras do inferno moderno. Daqui a pouco, estaremos a ouvir também  por aqui o (aí) tão batido refrão "nunca antes na história...". Quando eles crescerem, talvez se tornem como nós - que há 150 anos atrás já havíamos criado nosso próprio modelo de parlamentarismo - às avessas.

Como bem lembrou a Camila nos comentários do último post : existem alguns elementos que diferenciam a política brasileira da européia. E tais elementos, corroborando seus comentários, fazem toda a diferença.

Abração a todos!
André
 P.S.: A próxima imagem é em memória daquela revista que tanto afirmou, há oito anos atrás, que o governo atual faria uma política anti-americana.
 (e não perca de vista a presença do Lincoln, do Amorim e da Dilma)




domingo, 25 de abril de 2010

Li em algum lugar que um Blog apenas se consolida depois de possuir um mínimo de 20 posts, com os mesmos mantendo certa qualidade e freqüência. Não consegui nem um nem outro por enquanto, mas eis-me aqui. 
Essa semana recebi por e-mail um post de um ex-camarada de FFLCH, o Thomas - e fiquei bastante contente de saber qual tinha sido seu paradeiro (ao que  tudo indica, um paradeiro feliz). Contudo, as críticas que fiz ao seu post sobre o Serra é a mesma que tenho contra o tipo de anti-propaganda que os Conservatives estão a exercer nos ares ingleses. 
Sinceramente, acho a  máscara da isenção, tão pregada por Benedetto Croce e outros teóricos do Método Crítico, um atributo bonito e necessário. 
Isenção, óbvio, é impossível, e sequer sou dela militante. Sou, sim, militante da necessidade de se  mascarar toda e qualquer impressão de agressividade, gratuita ou não (Professor Renato Janine que me perdoe, mas aquele seu texto sobre os agressores do menino João Hélio foi imperdoável). 
A máscara da isenção não precisa ser de primeira categoria, e nem precisa ajustar-se anatomicamente ao rosto de quem a usa. Mas que o crítico deve vesti-la, ou tê-la sempre perto de si, isso tem. 
E, creio, seja só por isso que ainda conseguimos, muito de nós, continuar a ler a Folha de vez em quando, e seja impossível de sequer pensar em folhear a Veja até a metade.

Com vocês,  alguns dos outdoors que encontramos pelas ruas na Inglaterra -  Baseados em verdades, sendo, contudo, a maioria deles falaciosos, conforme comentaremos mais adiante num futuro post, ou através da página de comentários.
Um abraço a todos!!!

(P.S. Mas vamos falar a verdade: imagine os pôsteres fantásticos que poderiam ser feitos com o alguns dos nossos políticos tupiniquins?)






segunda-feira, 19 de abril de 2010

Vulcão, Caos Aéreo e a ressurreição do Bug do Milênio

Talvez seja coisa de Historiador: dramas à parte, sempre tive um insano desejo de presenciar algum momento ou evento historicamente marcante de fato. Confesso que, bom FFLCHiano, tive sentimentos passíveis de culpa com o 11 de Setembro; sempre me encantei por tufões, furações e tempestades, assim como vivenciei uma ansiedade estranha com a dizimação que a Gripe H1N1 prometia; agora, vejo-me envolto a presenciar um fenômeno incrivelmente assombroso com a interrupção temporária de vôos aqui no Norte Europeu, assemelhando-se com algo como a concretização dos piores pesadelos que alguns tiveram à época (lembra?) do Bug do Milênio.

Primeiro, vamos aos fatos.

I
Surpreendentemente, o céu aqui na Inglaterra anda lindo.
Lindo, e silencioso.

Moro há cerca de dez milhas do Heathrow, o aeroporto de maior tráfego internacional de passageiros do mundo. Devido ao evento islandês, o Gigante encontra-se fechado, tal qual todos os outros aeroportos ingleses.

O mais assombroso é acompanhar o drama daqueles que, impossibilitados de utilizar a via aérea conforme planejado, buscam mecanismos alternativos.
Acompanhei hoje pelo rádio o relato de um grupo de 12 ingleses que alugaram um micro ônibus para conseguir ir de Veneza a Paris, enfrentando a seguir uma espera de 36 horas para comprarem tíquetes do Eurostar (o Trem de alta velocidade que interliga Londres-Paris via Eurotúnel). Cada indivíduo desembolsou 450 Euros para voltar pra casa.

Mais dramático era o caso de uma mulher cujo marido encontra-se em Israel, sem dinheiro para retornar para casa por qualquer mecanismo alternativo viável.


II
Há algumas semanas atrás, fiz com Luiza e Pérola (respectivamente filha e esposa) um bate-e-volta Londres-Veneza-Londres. Pagamos menos de cinco libras em cada passagem aérea (incluídas as taxas), e saímos daqui no sábado pela manhã para voltar no domingo à tarde, pois trabalharíamos na segunda-feira a partir das oito (e nem tínhamos como - $$$ - ficar mais do que isso).
Estava a me perguntar: Que alternativa teríamos, se acaso o Eyjafjalla houvesse soprado suas cinzas enquanto lá estivéssemos? Provavelmente procuraríamos uma Igreja (ou outra instituição qualquer) e pediríamos abrigo (e algumas roupas emprestadas, pois havíamos levado apenas uma mochila para os trës), e eu seria obrigado a arrumar algum trabalho (vulgo "bico") por lá (e teríamos potencialmente perdido o nosso emprego por aqui, ainda mais considerando que somos imigrantes recém-chegados - 18 meses - e que trabalhamos para uma agência).
Decerto estão muitos agora em situação similar.


III

Algumas rapidinhas.

1. Como eu disse: dramas à parte, sempre tive um grande desejo por viver momentos historicamente marcantes. E o que pode ser mais marcante do que esse súbito retorno (ainda que limitado no tempo e espaço) a um momento em que o movimento de pessoas encontra-se desprovido do espaço aéreo? limitado por elementos inexistentes, ainda que tecnologicamente viáveis? (vale dizer, movimento não só de pessoas. Hoje eu pude presenciar no Tâmisa algumas balsas com uma quantidade de containers muito acima do que eu costumo presenciar diariamente.

2. Encontrei ontem uma amiga que trabalha no SAC da TAM no Heathrow (que como vocês sabem, está fechado). Estava revoltadíssima porque, segundo suas palavras, todos os SAC´s das outras empresas estavam praticamente vazios - mas o da TAM estava lotadaço, com a brasileirada a reclamar indenização, alternativas, ou alguma outra espécie de jeitinho. É lugar-comum aqui entre os brasileiros o fato de termos mania de reclamar. Será?

3. As empresas aéreas inglesas que fazem vôos locais estão, tais quais as demais ligadas à Europa, amargando perdas sem-fim. Destoando da curva de perdas nos vôos locais encontra-se a Virgin, do genial empresário Richard Branson. O segredo: a Virgin Airlines faz parte do Conglomerado Virgin Group, que engloba também a Virgin Trains. Um colunista do Jornal The Guardian comentava hoje na Rádio LBC (London Biggest Conversations) que Branson está aproveitando a crise para expandir sua malha de ação e tentar oferecer serviços também no resto da Europa. Tentarei coletar informações a respeito, e comentarei em um post posterior.

4. Estou com a impressão de que o ar aqui está um pouco mais sujo. Palavras da Pérola (que é mais sensível para essas coisas devido às suas rinites, sinusites e outras ites): lembra São Paulo em dias poluídos.

Mas deve ser mera impressão;)

5. Deixo aqui algumas perguntinhas aos palpiteiros de plantão:
i. seríamos (para alegria de nós poucos e tristeza de muitos) uma geração destinada a inevitavelmente passarmos por um processo de ajuste infra-superestrutural? Afinal, nos últimos 20 anos tivemos em pauta pelo menos 3 eventos de caos iminente (o Bug do Milênio, a Gripe H1N1 e a Crise Economica - sem falar no sempre-presente Aquecimento Global ), ou estaríamos momentaneamente reféns de determinadas estruturas organizacionais (como a Telefonia, o Tráfego Aéreo, o Capital Especulativo e a Bioética)?
ii. Quais as chances de descobrirmos os efeitos de fato dessas cinzas apenas daqui a meses ou anos?
iii. As reservas dos sistemas públicos de saúde europeus mal se recuperaram dos custos da Gripe; sem querer ser alarmista, mas... será que dá confiar na índole das Agências reguladoras?
iv. Hegel, ao discutir Estética e discutir o conceito de Belo, justificou totalmente esse meu encanto pelas tragédias como o Katrina, os Tsunamis e afins. Será que isso me justifica, ou ando com muita maldade no coração? :-)
iv. À luz do caos aéreo brasileiro: acaso seria melhor guardar a lembrança de quando voar era uma opção viável?

Um abraço a todos!